sábado, 5 de janeiro de 2008

Heróis Mirins, Vigilantes, Vampiros...

Não sei se vou dar conta de ser claro no que vou escrever agora. Até porque é provável que eu mude de idéia umas três vezes até o final do post. Mas estou preocupado com umas coisas.

Quem acompanha as revistas em quadrinhos sabe que está rolando um quebra-pau generalizado em torno da Lei de Registro de Heróis - a série conhecida por Guerra Civil. A briga consiste mais ou menos no seguinte: depois de algumas "pisadas na bola" dos heróis - gravíssimas, com centenas de mortos -, a opinião pública e o governo resolveram não tolerar mais os "efeitos colaterais" dos confrontos super-heróicos, como ruas, prédios e, às vezes, cidades destruídas. Algumas premissas são contundentes.

A maioria do Super-Heróis são pessoas que se consideram agentes da lei, mas não tem treinamento nenhum, não tem legitimidade junto ao Estado, e tem um poder de fogo desproporcional. Em suma, são uma afronta ao princípio de que só o Estado tem o poder de resolver conflitos pelo uso da força - no caso, a Polícia, o Exército etc. - e ao Poder Judiciário constítuido.

Esta questão está implícita há décadas nos gibis. O Homem-Aranha não é querido pela polícia, e sempre tem que fugir quando entrega algum bandido embrulhado em teia para os homens da lei. O Batman tem uma relação informal com o Comissário Gordon altamente discutível - você gostaria que o seu delegado de polícia tivesse um "telefone vermelho" com o Juvenal Antena? E a polícia de Gotham nunca gostou dessa história - assim que Gordon se aposentou, o novo Comissário mandou quebrar o BatSinal. O Professor Xavier acolhe, entre seus X-Men, vários foragidos da justiça - Wolverine, Vampira, Gambit, Juggernaut, Mística, até o Magneto de vez em quando faz as pazes e passa um tempo na Mansão. Basta pedir desculpas, jurar que estão arrependidos e regenerados - jurar ao Xavier, não à Justiça - e tudo bem. Ah, espancar e torturar informantes também é modus operandi frequente para Batman, Demolidor, Arqueiro Verde, Asa Noturna, sem falar no "uso excessivo da força" que o Wolverine faz em toda e qualquer luta. Claro, tem o SuperHomem que é adorado, assim como o Capitão América. Cada caso era um caso, até ontem. Agora o bicho pegou geral.

(Nos chamados "Quadrinhos para Adultos", essa questão já é desenvolvida há tempos, principalmente pelo escritor Alan Moore. A mais crua e objetiva, escrita no anos 80, coloca essa "enquadrada" dos heróis pelo Governo na mesma época do McCarthismo. "Watchmen" parte de um singela pergunta; "Who watches the Watchmen?" - "Quem vigia os Heróis?"

Outra premissa bastante séria é o lance das máscaras - ou das "identidades secretas", se preferirem. Os heróis, com razão, alegam que a máscara serve para proteger os parentes e amigos frágeis e sem poderes. A Tia May e a Mary Jane; Papai e Mamãe Kent; Alfred etc. Não deixam de ter razão. Oito entre dez namoradas do Demolidor já morreram, porque o advogado cego não é lá muito cuidadoso com sua identidade secreta. Esperto mesmo foi o cara dos Quatro Fantásticos, que arrumou poderes para a família toda - menos um problema pra se preocupar. E tem os que desistiram de uma vida particular, e são heróis em tempo integral - como o Capitão América, o Justiceiro, a Mulher Maravilha, e como o Batman seria se não precisasse do dinheiro do Bruce Wayne.

Mas... Policiais, juízes, promotores, politicos, ativistas verdes, militantes de todo tipo - não usam máscaras. Suas famílias correm os tais riscos o tempo todo. É perigoso, sim. Mas a solução seria dar máscaras pra todo mundo? Se Martin Luther King usasse máscara, talvez ele não tivesse sido morto - mas talvez a sua luta pelos Direitos Civis não tivesse ido tão longe.

Isso tudo significa que eu sou a favor da Lei do Registro no mundo do gibis? Não, mas por outras razões - fica prum outro post. Mas as premissas da Lei de Registro são muito legítimas. A implementação dela é que é, talvez, pior do que o soneto. Lembra um pouco a "Guerra contra o Terror", com direito até a uma prisão para heróis anti-registro no estilo Guantanamo e ao uso "seletivo" da Constituição. No nosso mundo real, tudo isso seria uma coisa muito complicada pra se pensar, de fato.

E então, finalmente, chegamos ao objetivo deste post, que é discutir a terceira premissa relevante da Lei do Registro: o que fazer com os jovens e crianças "super-heróicas"? De um lado, alguém tem que dar-lhes treinamento. De outro, cada herói mirim que surge é uma mensagem complicada a outros jovens. O Robin foi treinado por um dos melhores, já o Homem-Aranha aprendeu da pior maneira - com pessoas queridas morrendo à sua volta, e não estou falando só do Tio Ben. Mas, nos gibis, o tempo todo aparecem pré-adolescentes que, ao descobrirem seus poderes, vestem uma capa e saem por aí "salvando o mundo". Isso é perigoso, para eles e para o mundo.

Recentemente, tivemos dois guris - no mundo REAL - que resolveram bancar o Homem-Aranha e salvar vidas. Um garoto de cinco anos entrou num incêndio e salvou um bebê, semanas atrás. Agora, um garoto de quatro anos salvou a irmã de um ano de idade que caíra na piscina. Ambos estavam influenciados pelo heroísmo do Homem-Aranha, o preferido das criancinhas, ainda mais depois dos filmes. Todo mundo achou lindo, sensacional, jovens heróicos etc e tal. Ninguém deu atenção ao bombeiro falando que o guri não devia ter feito isso, que ele podia ter morrido no incêndio.

De vez em quando, alguma turma de psicopatas comete um crime, e usam como "desculpa" ou "álibi" o fato de que os caras eram "fãs de heavy metal" ou "jogadores de RPG". Há pouco tempo mesmo, apareceu no interior de São Paulo um "vampiro". Acho que demos muita, mas muita sorte mesmo, dos meninos-aranha não terem se machucado ou coisa pior. E acho que isso deveria ser ressaltado. Eles não ponderaram os riscos. Não avaliaram os prós e contras, ou qual o melhor caminho a percorrer, como um bombeiro ou mesmo um adulto comum sem treinamento faria. Eles simplesmente se arriscaram.

(Bem, o menino-aranha da piscina foi até esperto, ele não pulou na piscina sumariamente, ele se pendurou na borda, se esticou e pegou a irmã.)

NÃO acho que videogames violentos criem uma geração de pessoas violentas ou criminosas. NÃO acho que RPGs e livros tipo Senhor dos Anéis e Conan o Bárbaro nos atirem nos braços da magia negra. NÃO acho que Marilyn Mansion e Ozzy Osbourne mereçam ser processados quando algum adolescente se suicida - depois de matar coleguinhas na escola ou não. O que eu acho é que pessoas que confundem fantasia com realidade, vida e morte com "pontos" e "continues", precisam de acompanhamento, antes que aconteça o pior.

O parágrafo anterior se aplica a adultos e adolescentes, com certeza. Talvez a pré-adolescentes também. Mas essa minha opinião não se estende a criancinhas de três ou quatro anos. Nessa idade, a realidade está sendo construída, e construída pela experiência na maior parte do tempo. As criancinhas vão, sim, amarrar um pano vermelho no pescoço e pular do alto da estante, pensando ser o SuperHomem. Vão querer brincar com as armas dos pais, se elas as acharem. Podem matar acidentalmente um coleguinha, se quiserem fazer a "brincadeira do plástico" do Capitão Nascimento.

Ah, então você quer censurar tudo isso? Proibir as crianças de ver os filmes, de ler os mesmos gibis que você lia etc etc? NÃO. Só quero estressar um ponto fundamental que passou despercebido nisso tudo. Crianças de 3 ou 4 anos são absolutamente frágeis.

Será possível que não havia uma única pessoa por perto para impedir que um guri de cinco anos entrasse num incêndio?

...

Sem dúvida, é muito legal que os bons ideais e princípios dos heróis dos gibis estejam sendo absorvidos pelas criancinhas. Por outro lado, me assusto quando esses ideais são encarados ao pé-da-letra. O Homem-Aranha pertence ao inacreditável, ao sobrenatural, nós não temos poderes. Ser honesto, sensível e íntegro, como o Peter Parker, sim, é possível - mas sem aquela franja Emo, por favor.

Axé.

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