sexta-feira, 20 de junho de 2014

Copa 2014: análise do Grupo E - Suiça, França, Honduras e Equador

(texto publicado no Jornal da Afipea)

O Grupo E já começa deixando o torcedor confuso. Como assim a Suíça é a cabeça-de-chave, enquanto a França apenas completa o grupo, junto com Honduras e Equador? Afinal, todos nós somos do tempo em que cabeça-de-chave era uma honra reservada aos que tinham títulos no currículo, ou ao menos um terceiro lugar, como foi o caso da Polônia em 1986 e da Bélgica em 1990.

Mas, Suíça?

Bem, o ponto é que a Suíça fez a melhor campanha nas eliminatórias europeias, por isso ficou bem no tal ranking da Fifa, que foi usado como critério pra eleger os cabeças-de-chave. O grupo da Suíça nas eliminatórias, vamos combinar, era uma baba. Ou uma briga de faca no escuro, depende de como você olha. Suíça, Eslovênia e Noruega disputariam em condição de igualdade a vaga direta e a vaga na repescagem, enquanto Islândia, Chipre e Albânia cumpririam tabela. Bom, não sei o que aconteceu, mas Noruega e Eslovênia deixaram a desejar, a Suíça disparou, e a vaga na repescagem ficou com a Islândia – que infelizmente perdeu o duelo para a Croácia. Digo infelizmente porque, jogando meu Football Manager 2005, já levei a Islândia não apenas à Copa, mas a um honroso quarto lugar, escrete liderado pelo matador Gudjohnsen.

Mas voltemos à Suíça. Em 2010, apesar de ter vencido a Espanha que seria campeã, perdeu para o Chile e ficou no 0 a 0 com Honduras – duelo que aliás se repetirá agora, sob o gélido inverno de Manaus. Também não se classificou para a Eurocopa 2012, e embora tenha participado da Euro 2008 por ser anfitriã, caiu já na fase de grupos. O que poderá ser feito de diferente desta vez?

Talvez uma vaga nas oitavas, a depender do desempenho de quatro jogadores: Behrami e Inler, a dupla de volantes criativos e bons chutadores que comandam também o meio campo do bom time do Napoli, terceiro lugar no Italiano;  e Shaquiri e Xhaka, velozes meias-atacantes de apenas 22 anos, hoje respectivamente reservas de luxo no Bayern Munich e no outro-Borussia-que-não-é-o-Dortmund.

Apesar do nome de lutador de Morkal Kombat, Xhaka e Shaquiri nasceram em Kosovo no início da longa década de 1990 nos Balcãs, fugindo das guerras ainda bebês junto com suas famílias para a Suíça. Behrami, aliás, também é nascido em Kosovo. O que me faz pensar que bela seleção a Iugoslávia teria sido nos últimos 20 anos, não fossem as guerras. Inler, por sua vez, é filho de turcos, e todos estes quatro meio campistas da Suíça são muçulmanos.

Muçulmanos também são Ribery, Benzema e Zidane, craques da França. Ops, mas o Zidane não vai jogar. Pois é, e o Ribery também não. Então temos que nos atualizar sobre quais os nomes que podem despontar no escrete francês. O jovem zagueiro Rafael Varane, que com apenas 21 anos já é uma espécie de 12º jogador do Real Madrid é uma boa aposta, assim como também vale a pena observar o igualmente jovem Paul Pogba, titular absoluto no meio campo da Juventus campeã do Italiano, ao lado de Andrea Pirlo.

No ataque, a vaga de Ribery deve ser disputada por Griezmann, que fez um caminhão de gols no Espanhol jogando pelo Real Sociedad, mas que eu confesso nunca tinha ouvido falar dele até este exato momento. Mas quem eu gostaria de ver assumindo a vaga no ataque titular é Olivier Giroud, por um motivo muito simples: no meu time no PES ele é um artilheiro cabeceador espetacular, nível Jardel. Se na vida real ele tiver a testa tão eficaz quanto no videogame, a França pode se tornar um oponente ainda mais indigesto, pois o esquema do técnico Deschamps explora bem o apoio dos laterais Debuchy e Evra, segundo dizem.

Nas eliminatórias, a França teve um caminho muito mais duro que a Suíça: caiu no grupo da Espanha, vejam vocês. Franceses e espanhóis despacharam sem problemas os coadjuvantes Geórgia, Finlândia e Bielo-Rússia, mas no duelo direto a Fúria levou a melhor com uma vitória e um empate, empurrando a França para o duelo de repescagem com a Ucrânia. No primeiro jogo, a Ucrânia abriu 2 a 0 jogando em casa e colocou a mão na vaga. Mas os franceses conseguiram 3 a 0 no jogo de volta, com uma arbitragem polêmica. Não tão polêmica quanto aquela da mão do Thierry Henry, na repescagem de 2010. Mas é que ficou estranho o fato de que, minutos após ter anulado um gol legítimo de Benzema, o juizão validou um gol do cara em absurdo impedimento. Ficou a impressão de que alguém mandou um "bizu" pro árbitro sobre o gol mal anulado, e aí ele resolveu validando o lance seguinte.

Honduras, pra mim e pra muita gente, sempre será o time do inesquecível Arzu, goleiro intransponível que quase levou sozinho seu time à classificação pra segunda fase em 1982, não fosse os dois pênaltis assinalados, única forma encontrada de fazer gol naquele gigante. A bandeira de Honduras estampou por um bom tempo a caixinha de fósforos usada como goleiro no meu time de botão. Do meu time de Masters, onde Arzu jogava junto com Garrincha, Eusébio e Passarela. No meu time “normal”, o goleiro era o Jorge Lourenço, e os craques, Berg, Mazolinha e Josimar – ser botafoguense nos anos 1980 não era nada fácil...

O time atual de Honduras é formado por jogadores que se dividem entre o futebol hondurenho, as “leagues” norte-americanas, e times ingleses de menor expressão. A exceção é o jovem meia Andy Najar, 21 anos, formado no DC United, mas que hoje é titular no meio campo do belga Anderlecht. Devem ser observados também o experiente Wilson Palacios, meia que já teve dias melhores jogando no Tottenham ali por 2010 e 2011, e hoje compõe elenco no Stoke City; e o atacante Jerry Bengtson, que aparentemente não levou seu faro de gol na bagagem quando saiu de Honduras para jogar no New England Revolution, de Massachussets.

Bengtson, aliás, fez mais gols em um único jogo das eliminatórias do que em toda a temporada na Major League: fez três na acachapante vitória por 8 a 1 sobre o Canadá, que confirmou a vaga de Honduras no hexagonal final (ahn?) das eliminatórias da Concacaf. Ficar entre os quatro primeiros no hexagonal a partir daí seria até fácil, bastava ficar na frente de Panamá e Jamaica, e depois encarar a Nova Zelândia na repescagem. Mas foi ainda mais fácil: o México se complicou tanto no tal hexagonal que ficou em quarto, deixando a vaga direta pra Honduras, e coube então aos mexicanos a tarefa de atravessar o Pacífico e carimbar a vaga no passaporte dando duas chineladas nos all-blacks.

Em seu último amistoso antes da estreia contra a França lá no Beira-Rio, a retranca de Honduras conseguiu segurar um 0 a 0 contra o belo, porém geriátrico, escrete da Inglaterra. Como parece ser frequente, teve um hondurenho expulso, o que pode ser fatal nos jogos da Copa.

O Equador, que estreia na Copa enfrentando a Suíça aqui no Mané Garrincha, fez a quarta melhor campanha nas eliminatórias da América do Sul, que é a única em formato de pontos corridos. No desempate, deixou o quinto lugar e a partida de repescagem para o Uruguai, que como está mais do que acostumado em carimbar a vaga, Copa após Copa, nesse bendito jogo extra contra Australias, Uzbequistões e assemelhados, não teve nenhum problema para despachar a Jordânia, por 5 a 0.

Mas o Equador construiu sua campanha toda nos jogos em casa – sete vitórias – enquanto que nos jogos como visitante só conseguiu três empates. O time é quase todo formado por jogadores que atuam nos principais times do Equador – LDU, Emelec e Barcelona. Do meio pra trás, o time não impressiona. Basta dizer que Erazo, titular da zaga, não tem ficado nem no banco de reservas do Flamengo. Do meio pra frente, a coisa muda um pouco. O craque do time é Antonio Valencia, titular do Manchester United, como meia aberto pela direita, mantendo o português Nani na reserva há pelo menos três temporadas. Acostumado a jogar em alto nível, é dele a responsabilidade por municiar os atacantes Felipe Caicedo, artilheiro do time nas eliminatórias, e Enner Valencia, artilheiro do Clausura mexicano pelo Pachuca, e que fez gol em todos os quatro amistosos do Equador em 2014.

Este texto não teria sido possível sem as informações contidas no site soccerway.com; no Álbum de Figurinhas Oficial da Copa; e no Especial Placar Guia da Copa 2014.

Curiosidades:
Não é surpreendente que a Copa com maior media de público tenha sido a de 1994, nos Estados Unidos? Nada menos que 68.991 torcedores por partida, muito à frente da segunda posição, que é da Copa de 2006 na Alemanha, com 52.491 torcedores. Não vai dar pra tirar esse recorde: apenas o Mané Garrincha e o Maracanã tem capacidade máxima maior do que a media de 1994. Mas talvez dê pra beliscar a segunda posição: Itaquerão, Mineirão e Castelão superam os 60 mil como lotação máxima, e os renovados Fonte Nova e Beira-Rio beiram os 50 mil.